Os dias pareciam ser todos iguais, mas não eram. Não pra gente, não dentro das nossas cabeças de crianças. Tudo é possível quando se é criança, e tudo fica ainda mais possível quando se é férias.
As nossas eram sempre no sítio, dias inteiros que viravam semanas, que se transformavam em uma eternidade diante da infinidade de coisas que fazíamos. Eram tantas opções de brincadeiras e todas elas cabiam nas 24h de um dia de uma época em que relógios e horários não nos interessavam. Cabiam aos adultos chamarem para comer, para tomar banho ou para dormir, momentos em que íamos contrariados, pois as brincadeiras não podiam esperar, muito menos parar. Eram esses os únicos limites que conhecíamos, eram as únicas obrigações que nos preocupavam. E como era bom crescer achando que horários não eram tão importantes e tendo como preocupação somente qual seria a próxima brincadeira.
Os dias sempre começavam cedo, mas sem despertador. O sol nos acordava, assim como a vontade sempre latente de brincar. Tomar café da manhã tinha que ser bem rápido, e as roupas variavam entre biquínis, sungas e shorts. O barulho de "tchibum" na piscina era constante, seja porque apostávamos quem pulava mais alto, seja porque saíamos para buscar algum brinquedo, voltando em seguida. Os cabelos secavam ao vento, ao natural. Fios atrapalhados, embaraçados, cheios de cloro. Às vezes nem dava tempo de secar e já estávamos novamente pulando na piscina, inventando novas brincadeiras, como quem ficava mais tempo embaixo d'água, ou catar tampinhas que eram jogadas na água para ver quem pegava mais, ou mergulhando com nossas bonecas da Pequena Sereia, nos maravilhando com o cabelo vermelho balançando pela água, imaginando que aquela piscina era o fundo do mar. Esse fundo do mar tinha, inclusive, um tubarão do qual, vira e mexe, tínhamos que fugir subindo na bóia cor-de-rosa. Se ele nos pegasse antes, tomávamos um caldo. Isso, em alguns momentos, acabava em choro que se misturava com a água da piscina. Ambos secavam bem rápido, num piscar de olhos, como todo problema de criança.
Brincávamos também na casinha de boneca, onde achávamos graça em limpar o chão, sentar na cadeira de balanço da varanda e cozinhar deliciosas sopas de barro no fogão à lenha. Já fizemos comidinha de verdade uma vez, sob os olhos do papai e da mamãe, que incentivavam ainda mais a imaginação das crianças onde tudo é festa. Mas quando o assunto era comer, queríamos saber mesmo é dos biscoitos recheados, canudinhos de doce de leite, Nescau, Bisnaguinha 7 Boys, chips Aritana do He-Man e bolinhos de chuva. Não comíamos sem limites, mas já era o suficiente para dar aquele gostinho especial de infância.
O bom de férias no sítio é que também aprendíamos de tudo sem nos darmos conta. Ali vimos Porquinhos-da-índia nascerem, assistíamos às Galinhas indo dormir cedo, cuidamos de pintinhos e patinhos, conhecemos os Vaga-lumes, os Louva-à-Deus, vimos Lagartixas comendo insetos e Sapos capturando mosquitos com suas línguas compridas e afiadas. Apesar de raras, já vimos cobras e aranhas. Gambás e Porcos-espinhos também já apareceram por lá, assim como lindos Tucanos. Conhecemos o lindo canto das Seriemas, acordávamos com o gostoso canto dos Galos e achávamos um pouco assustador o piado das Corujas. Aprendemos também sobre os diferentes cantos dos Pássaros e como diferenciá-los. Tivemos vários cachorros, cada um com seu nome e jeitinho, e aprendemos a amar todos eles. Aprendemos também sobre as frutas, comendo várias que nasciam nos pés espalhados pelo sítio. Eram Mangas, Goiabas, Jabuticabas, Amoras, Laranjas, Limões, Abacates.
Para lá também levávamos amiguinhos da escola, brincávamos com primos, vizinhos e também sozinhos, somente os irmãos. Os adultos faziam fogueiras e churrascos, colocavam músicas e tudo era ainda mais motivo de festa para nós.
Corríamos por todo o quintal, vigiávamos formigueiros, subíamos nas árvores que havíamos escolhido para cada um. Andávamos de bicicleta e de patins, jogávamos basquete e também futebol no campinho. Levávamos boladas, discutíamos, ríamos, negociávamos quem iria buscar a bola que corria lá para baixo, ou se foi gol ou não. Brincávamos de Barbie, Playmobil, carrinhos, pique-esconde. Os pés estavam sempre no chão se sujando de barro, pisando em britas, em frutas já apodrecidas no chão, em formigas, na grama. Os joelhos apareciam, por vezes, ralados, o que causava um pânico para a hora do banho. E que saga era tomar banho. O sol já havia se posto, o horizonte vermelho e o céu já mostrando algumas estrelas. As luzes da casa e do jardim começavam a ser acendidas e os sapos e grilos começavam a fazer sua sinfonia, e tudo isso anunciava a hora do banho, onde cabelos tinham que ser lavados e desembaraçados, machucados ardiam e queimaduras de sol se evidenciavam.
Após o banho e o jantar já era hora de quietar. Olhos vermelhos de cansaço depois de um dia inteiro de piscina, sol e correria pediam brincadeiras mais comedidas, ou um pouco de televisão. À noite era o único momento do dia em que lembrávamos que televisão existia, o que já era um maravilhoso indício de infância bem vivida. Com a noite avançando íamos acalmando os ânimos, e o cansaço tomava conta anunciando a hora de ir para a cama, quando tínhamos a difícil missão de escolher qual revistinha da Turma da Mônica iríamos ler. Os olhos se fechavam sem nos darmos conta e o sono tranquilo guardava todas as informações e acontecimentos do dia no baú da infância, este mesmo que acessei para escrever este texto.
Os baús da infância são assim. Ficam ali quietinhos, num cantinho da memória, mas cheios de tesouros dentro. Tesouros que formaram o adulto que nasce dessas experiências, que fazem desse adulto alguém feliz. O bom é que esse baú pode ser aberto em qualquer lugar, em qualquer época, nos devolvendo para nós mesmos, para o lugar onde pertencemos e para as raízes e origens da pessoa que somos. Eu abri o meu hoje, estando a quilômetros de distância de onde foi minha infância. Estava sentada na varanda, observando o pôr-do-sol que tanto gosto e vi, na casa da frente, crianças brincando de pé no chão, só com roupas de banho, até o céu realmente escurecer e os pais os chamarem para dentro de casa. As luzes do jardim já estavam acesas e eles provavelmente mal enxergavam a bola que corria pela grama. Aproveitaram até o último segundo da luz do dia, saíram do quintal só quando foram chamados.
Ahh, as delícias da infância. Essas crianças mal sabem que me fizeram lembrar da minha. Elas mal sabem que estão construindo as próprias memórias, enchendo o próprio baú. Um baú cheio de dias de férias da infância que parecem todos iguais, mas não são. Guardam dias, semanas, uma eternidade. Um mundo inteiro. Guardam seu próprio mundo.
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