Se tem uma coisa que ela pode afirmar sobre sua vida é que esta nunca foi solitária. Quando nasceu, o mais velho já existia, e pelas fotos ela pôde logo notar que fora bem recebida nesse mundo tão menos confortável do que o útero da mãe. Bom, os braços de seu irmão mais velho, que a embalaram logo quando recém-nascida, com certeza conseguiram suavizar esse primeiro desafio da vida.
Não muitos anos depois chegou a mais nova. Ela não se lembra muito bem, mas algo lhe diz que foi como ganhar uma boneca de verdade, ou no mínimo uma companhia muito boa para suas brincadeiras sempre muito criativas.
Pois é, ela de repente se viu como a irmã do meio. Tinha um irmão e uma irmã, uma amostra de cada gênero. E sempre teve muito orgulho disso. Sempre gostou de falar sobre os dois, de apontá-los para os amigos no pátio da escola, de dizer que o mais velho sempre a protegia, e que a mais nova era sua melhor amiga. E seu orgulho era ainda maior quando falavam sobre a beleza deles. Ela ficava sem graça de concordar, mas o que ela poderia fazer se era verdade? Sempre foram lindos mesmo!
O mais velho sempre foi agitado, elétrico, a mil por hora. Não sabendo medir os tipos de brincadeiras que se faz com duas meninas, inventava sempre aquelas que tinham uma chance enorme de terminar em chororô ou em "mãenhê, olha o que ele fez!". Mas elas sempre topavam. Era como um atestado de inclusão saber que participariam de alguma brincadeira inventada pelo irmão mais velho. Além do mais, sendo brincadeiras de menino ou não, eram divertidas, isso era inegável.
A mais nova também tinha seu grau de agitação, mas menor do que o mais velho. Seu poder de argumentação e negociação sempre estiveram aflorados. Mas uma coisa ela nunca sequer questionou: as brincadeiras inventadas por sua irmã do meio. Elas sempre brincavam juntas, o tempo todo. O que a irmã do meio inventava, ela logo acatava, e então lá se foram Barbies, Playmobil´s, casinha de bonecas no sítio, piscina, leitura de revistas da Turma da Mônica no fim do dia, e incontáveis outras que sempre as mantiveram muito unidas. Era sempre bom também dividirem o quarto, palco de muitas conversas enquanto o sono não chegava.
A infância dos três foi compartilhada, assim como alguns segredos e proteções mútuas quando queriam esconder, dos pais, alguma travessura em comum. Eles se deduravam também, por que não? Irmão que é irmão conta o que o outro fez de errado, só para rir do que estava levando bronca. Disputavam as janelas do carro, as sobremesas, o telefone, o controle remoto e os centímetros de espaço no sofá. A do meio ouvia do mais velho que era adotada. Ele também imitava a mais nova quando ela não conseguia ficar quieta no banco de trás do carro. Elas tentavam se defender, mas na verdade queriam mais é rir, assim como a mãe, quando ouvia essas provocações. Gostavam dos mesmos desenhos animados, iam para a mesma escola e dividiam as mesmas sextas-feiras à noite após uma semana de aula: com filmes e guloseimas. Dividiam também o mesmo ranço de Matemática. No sítio, brincavam de pique-esconde, o mais velho chutava bola nas duas no campinho, brincavam de "dar caldo" na piscina e ainda jogaram frutas podres um no outro - este foi um exemplo de quando terminou em chororô e em "mãe, olha o que ele fez". A do meio usou aparelho nos dentes, ele riu. A mais nova usou óculos, ele riu. Ele acabou usando as duas coisas, foi a vez de as duas rirem.
Apesar de brigarem, se protegiam na escola. Ele já colocou um garoto que incomodava sua irmã do meio para correr, e a do meio já tirou satisfações com uma garota que ousou se atrever com a mais nova. Sempre foi aquela história: só podiam brigar entre si, os de fora não estavam convidados para tal intimidade.
O fato é que ter um irmão é muito mais do que ter companhias. É estar pronto para sair para o mundo tendo aulas intensivas dentro da própria casa. É aprender a se defender, a não engolir desaforos, a ouvir nãos. É aprender a dividir, a respeitar, a perdoar, a esperar sua vez. É aprender que nem sempre querer é poder. É aprender também que eles serão os melhores amigos que se tem na vida, não importando quantos outros apareçam pelo caminho.
Ela, a filha do meio, quando para para pensar, depois de adulta, se dá conta do que ela sempre soube: ele, o mais velho, é seu melhor amigo. É como uma metade do seu coração batendo fora de seu corpo. É seu protetor desde sempre, seu orgulho, seus conselhos tão preciosos que ela ouve com tanta atenção e respeito. A mais nova é também sua melhor amiga. Não é uma boneca viva como ela imaginou quando criança, mas muito mais: é a outra metade de seu coração também pulsando fora do corpo. É aquela para quem ela conta tudo sem nada temer. É aquela que a conhece como poucos (poucos mesmo). É aquela que ela quer para sempre proteger, cuidar e ser cuidada. Porque ela sabe, também como poucos, ser o colo que enxuga suas lágrimas e cura suas dúvidas e tristezas.
Ela arriscaria dizer que o mais velho e a mais nova são suas almas-gêmeas, arquivos vivos de tudo de maravilhoso que ela já viveu até hoje, principalmente na infância. É... isso é para poucos: ter um irmão e uma irmã. Ter um irmão mais velho e uma mais nova e assim, juntos, formarem um trio que será, para sempre, os pilares de sustentação das vidas uns dos outros.
Não é preciso pensar muito para ver que teve sorte. E que sorte essa história maravilhosa de se ter irmãos!
Que lindo texto! Trocas de experiências levadas por toda vida.
ResponderExcluirQuerida filha do meio, ao ler seu texto, me vem o saudosismo de vocês crianças, de poder, enquanto pais, transmitir a vocês os ensinamentos que seus avós e a vida nos trouxeram. Fico muito feliz de perceber que vocês assimilaram muito bem a questão de serem amigos, de se defenderem e sobretudo de terem tido uma infância feliz. Parabéns pelas suas palavras.
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