Detalhes em Palavras

  O que é permitido sentir quando duas pessoas que fazem parte de sua vida juntam suas coisas e resolvem se mudar de cidade, de país, de hemisfério? O que é permitido dizer e quais são as feições que podem ser feitas no momento em que você vai buscá-las para levá-las ao aeroporto, e de repente encontra toda a vida delas dentro de poucas malas? Difícil dizer... será que tudo é permitido, já que é um momento que representa muitas sensações, ou será que é melhor tentar fingir que tudo está normal e se portar como em uma situação qualquer de um dia comum, seja para não deixar a pessoa ainda mais ansiosa, seja para tentar enganar o próprio coração que já sabe o que está por vir?

  A resposta certa não existe, até porque situações como essa são como corridas, mas de sentimentos. Cada hora é um que está na frente, cada hora um ultrapassa o outro, até que vem a linha de chegada e com ela a necessidade de um tira-teima para ver quem ganhou por questão de milímetros. 

  Hoje foram com a gente para o aeroporto, além das malas grandes e pesadas, um excesso de peso de sentimentos, todos se alternando na liderança dos nossos corações. A felicidade por ver nossos amigos passando de fase nesse jogo da vida em busca do prêmio chamado realização de um sonho, se alternava na liderança da "corrida" com o sentimento amargo de se estar "perdendo" pessoas que estão sempre por perto e que nos querem bem - e isso, sejamos sinceros, é raro hoje em dia. Difícil para mim que os conheço há quase uma década, praticamente indigesto para meu noivo, que se despedia de alguém que cresceu com ele, que fez um papel de irmão ao longo da vida. Nessa situação, nem um tira-teima resolveria qual o sentimento vencedor do momento. Foi empate, chegaram todos ao mesmo tempo na linha de chegada formando o nó na garganta que não deixou mais nada ser dito quando deu a hora do embarque.

  Pois é, a despedida é triste quando pensamos com nosso lado egoísta de querermos as pessoas pra sempre perto de nós, mas é um alívio ao pensarmos com o lado da razão, da liberdade, da alegria de ver alguém ganhando asas e voando para suas conquistas, literalmente. Aí então o que resta é torcer pelo melhor, além de, após o embarque, correr para o mirante do aeroporto e grudar o rosto no vidro para ver o avião e os sonhos decolando. Enquanto víamos as luzes do avião se afastando no céu chuvoso, decidimos que a felicidade ganharia essa corrida, por mais que a tristeza da ausência de vez em quando nos lembrasse de como era bom tê-los por perto. 

  Quando o avião sumiu de nossas vistas, demos meia volta e também as mãos, e fomos embora do aeroporto, com a certeza de que a alegria e a saudade viriam com a gente. Fazer o quê?  Pelo menos a alegria seria sempre a vencedora, e a saudade seria o detalhe que nos lembraria de tantos momentos felizes que passamos juntos. Na corrida dos sentimentos, o pódio é o lugar bem alto onde moram os prêmios de uma vida bem vivida.

  Você já parou para pensar no poder de um toque? Já reparou quantas energias são passadas de uma pessoa para a outra através de um simples contato? E não se trata só de energias, mas também de afeto, de uma mensagem ao outro de que ele não está sozinho nessa caminhada e de que ele é importante na sua, de detalhes no outro que só um contato cheio de intimidade pode trazer e também de significados que nem sempre as palavras são capazes de traduzir.

  Nesses dias tão agitados, cheios de tarefas e informações, pare e tente se lembrar de qual foi a última vez que você deitou sua cabeça no peito de alguém que você ama e sentiu o coração dela bater. Pergunte a si mesmo se você já sentiu a vida vindo de outra pessoa quando sente o calor de sua pele, se não tem muito tempo que você parou para segurar firme a mão de alguém para lhe dizer, sem precisar falar, que está sempre ao seu lado. Só tente perceber se os seus toques, ultimamente, não têm sido automáticos, ou se têm sido escassos por picuinhas que não valem a pena em uma vida que passa tão rápido, ou se estão sendo mais na tela de seu celular. Tente perceber se você passa horas ao lado de alguém sem realmente estar presente, ou sem realmente demonstrar a importância desses momentos em sua companhia.

  A vida vai passando, os dias parecem terminar cada vez mais rápido, as fases passam e quando nos damos conta não nos lembramos de termos, em muito tempo, abraçado apertado nossos irmãos e amigos, não nos lembramos da última vez de termos deitado nossas cabeças no melhor e mais poderoso colo do mundo, que é o colo de nossos pais, ou de colocarmos a mão no rosto de alguém especial simplesmente pelo prazer de lhe tocar. Muitas vezes o toque é automático, mas são raras as ocasiões em que prestamos atenção no que algum gesto de encostar no outro signifique, de como ele é importante por estreitar laços, e de como ele toca sentimentalmente a outra pessoa envolvida.

  Por tudo isso, que os toques sejam mais frequentes. Que saibamos valorizar a vida de quem amamos ao sentir o calor de sua pele, o pulsar de seu coração, ou um simples dar as mãos que pode significar tantas coisas quando paramos para prestar atenção nesse simples porém rico gesto. Que um abraço apertado cure muitas feridas e traga todo o conforto que ele pode trazer, e que nele haja um acúmulo de sentimentos que sobrevivam à distância que muitas vezes teima em ser longa. Por fim, que enxerguemos a importância do toque enquanto ainda há a proximidade com quem faz a diferença nos nossos dias. 

  E você, já tocou quem você ama hoje?

  E não é que você está chegando? Há nove meses eu soube que você viria, e uma nova tia já nasceu bem depressa nesse coração de manteiga aqui. Foram dias e meses pensando em como talvez você se chamaria, tentando te encontrar colocando a mão na barriga da sua mamãe, falando com você para que desde sempre você já gostasse da minha voz. Foram também 9 meses tentando me acostumar com a ideia de que eu seria tia, de que meus pais já seriam avós, e de que no próximo Natal teria uma pessoinha engatinhando e puxando os enfeites da árvore.

  É, e não é que passou rápido? Você está há 9 meses pertinho de nós, mas ao mesmo tempo ainda tão inalcançável. Mas está vindo, fazendo com que nossos corações batam mais rápido, com que as vitrines de roupinhas de bebês atraiam cada vez mais nossos olhares e fazendo com que nossas imaginações corram soltas sobre planos de momentos com mais um membro na família. Seu quartinho já arrumado com o maior carinho já está pronto e é o anúncio de quantos momentos maravilhosos estão por vir.

  Parece exagero, mas eu já te imagino. Te imagino fisicamente como uma mistura de seus pais, e internamente como a soma de tanto amor que vai chegar até você. Amor de pais, tios, avós, primos. Amor puro, amor sem limites.

  Eu sou tia de primeira viagem. Sei que estou imaginando um sentimento que com certeza não chegará nem perto do que será de verdade. Sei que toda a minha ansiedade, animação e amor por você só crescerá em grande escala quando eu te ver pela primeira vez. Só espero que você reconheça a tia que já nasceu em mim também, uma tia que te olhará e tratará como um filho próprio e que estará sempre ao seu lado ao longo de sua caminhada. Espero te passar tudo isso, seja no nosso primeiro toque, seja em cada vez que estiver com você.

  Abril chegou, é o seu mês. O mês que nos marcará para sempre. O mês em que toda uma família renascerá com mais um posto: quem é marido e mulher se tornará pai e mãe, irmãos que serão também tios, pais que serão avós. Postos novos, responsabilidades dobradas. E o amor? Esse é imensamente maior também, assim como o sorriso no dia em que te olharmos pela primeira vez. 

  Desde muito tempo eu ouço a música Anunciação do Alceu Valença, e ela nunca me fez tanto sentido como agora. Então eu ofereço ela a você, meu sobrinho lindo e amado, para que um dia você a escute e saiba que você nem havia chegado e nós já escutávamos os seus sinais, e que você viria para brincar em nosso quintal. E é assim, na bruma leve das paixões que vem de dentro, que já te amamos e te aguardamos em algum dia abençoado de Abril.

  "Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais!"