Era um dos dias mais esperados do ano. Já acordávamos com músicas caipiras ecoando pelo ar, as sanfonas e violas ditando o ritmo em que enfeitávamos o quintal. O frescor do ar, vez ou outra, dava um leve arrepio e o sol, tímido, tocava delicadamente e pele. Era inverno e com ele vinha a época de São João!
Como acontecia todos os anos fazíamos a nossa própria festa junina, sempre tão planejada e pensada, mas que acabava sendo do mesmo jeito, do nosso jeito. Reuníamos a família e alguns bons amigos mais próximos e lá íamos em comboio para o sítio, localizado a poucos quilômetros da cidade grande, onde dividíamos a casa, as tarefas, as conversas, a animação. E haja animação mesmo para pendurar, por todo o quintal, tantas bandeirinhas coloridas que nós mesmos desenhávamos e recortávamos, cercar o terreno com bambus, cobrir as mesas com forros xadrez e pendurar lanternas de jardim nas árvores.
Todos faziam um pouco de tudo, mas acaba sendo diversão maior para as mulheres reunirem-se nos enfeites e na cozinha enquanto conversavam sobre tudo, colocando em dia o papo sempre acumulado. Muitas vezes falavam até ao mesmo tempo, os tons de vozes e das risadas subindo e abafando o som da sanfona que ecoava do rádio ligado desde cedo. Já os homens alegravam-se em, juntos irem buscar toras de lenhas para montarem a fogueira que seria acesa mais tarde. Era a lenha embaixo de um dos braços e, na outra mão, um copo de bebida, e assim iam e voltavam buscando e levando lenhas sem a menor pressa, os passos no ritmo dos goles, os goles em perfeita sintonia com os assuntos. As crianças, em êxtase com todo aquela movimentação e com um quintal enorme para correrem, inventavam todo tipo de brincadeiras, a imaginação tão veloz quanto às pequenas pernas que não sossegavam, a liberdade batendo no rosto confundindo-se com a brisa invernal.
E assim lá se ia passando o dia. Enquanto os adultos iam descansar um pouco após tanta arrumação, até para recuperarem a energia para a festa, as crianças seguiam com sua natural agitação, maravilhadas com os enfeites já em seus devido lugares, ansiosas para a dança da quadrilha que sabiam que aconteceria.
Fim de tarde. O sol se punha no horizonte avermelhado, o céu já mais escuro no topo mostrando algumas estrelas. Um bem típico anoitecer de um dia invernal. Os grilos e sapos já haviam iniciado suas sinfonias que reinavam no ambiente enquanto o som com músicas juninas ainda não era novamente ligado. As luzes da casa e as lanternas de jardim já começavam a ser acendidas, iluminando o quintal já cheio de sombras da noite.
Dentro de casa alguns davam banho nas crianças sujas de terra enquanto outros se arrumavam vestindo roupas xadrez, vestidos caipiras coloridos e com rendas, botas, chapéus de palha, lenços no pescoço e fitas no cabelo formando maria-chiquinhas. Uns maquiavam os outros, mulheres fazendo pintinhas pelo rosto para imitar sardas, homens desenhando traços em cima da boca reproduzindo bigodes e também emendando as sobrancelhas. Quem já estava pronto esquentava, no fogão à lenha, a comida já pronta e levava tudo para as mesas já dispostas no jardim. É inesquecível o cheiro de amendoim, caldos e doces que pairavam no ar. Era uma fartura só: canjicas, pés-de-moleque, cajuzinhos, quentão, caldos de feijão, abóbora e mandioca, paçocas, feijão tropeiro, torresmos, pamonha, pastéis fritos, pipoca e milho cozido, comidas típicas que não podem faltar em toda boa festa na roça que se preze.
As crianças, animadíssimas e também vestidas à caráter, aglomeravam-se em torno da fogueira querendo ver, encantadas, como os adultos a acendiam e mantinham. "Cuidado, não cheguem muito perto!", gritavam eles para os pequenos curiosos. A música aumentava, a comilança começava e todos mal se davam conta tamanha era a alegria e a interação de todos, mas já corria ali, entre eles, a noite de São João. As conversas, a tão esperada dança da quadrilha que rendia boas gargalhadas, as roupas e comidas típicas, a fogueira que encantava os olhos e aquecia os corações… tudo tão natural e familiar, tudo tão enraizado na nossa cultura, uma tradição que dava realmente gosto de ser vivida.
Além de estar enraizado na nossa cultura, penso que está enraizado em nossos corações. Penso que o que fica realmente vivo nas nossas lembranças é tudo aquilo que prende a atenção naquele momento em que está acontecendo, que nos prende ao presente não deixando nenhum outro tempo verbal roubar a alegria de se estar entregue ao hoje. E nesses dias frios de festa junina, nada do que estava além daquele quintal era mais tão importante para quem estava ali. E é justamente aquilo que nos faz viver intensamente no presente que acaba fazendo parte de um passado especial sempre muito bom de ser relembrado. Momentos e encontros que usamos as tradições como desculpa para que aconteçam.
E você? Também possui lembranças de momentos tradicionalmente felizes e inesquecíveis?
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