Essa rua, essa casa...



   Essa rua, essa casa. Lembro-me quando passei por ali pela primeira vez. Dia frio, anoitecendo, mãos ocupadas com compras do supermercado que tem ali por perto. Encantada pela rua fofa, avistei essa casa, esse jardim. Avistei uma luz acesa, o número iluminado, um balanço que se movimentava com o soprar do vento. E aquele cenário despertou minha imaginação, não só naquele dia, mas sempre que passava por ali. 
    Na prática, aquela rua e aquela casa não tinham nada de especial. Eu nunca havia morado ali e nem conhecia alguém que tivesse morado. Não tinha nenhum marco, não era tombada, a rua não desembocava em nenhum ponto turístico importante. Mas rua e casa passaram a ser importantes para mim, desde que haviam virado motivo para que eu optasse por andar a pé ao invés de pegar o metrô para ir para casa. Quantas vezes eu poderia ter chegado em casa mais rápido, ou poderia ter evitado de carregar peso por mais tempo, mas, ainda assim, essa casa e essa rua chamavam meu coração, faziam ser uma perda de tempo chegar mais rápido em casa sendo que eu podia apenas caminhar por ela sem nenhuma pressa.
   Cada vez era uma imaginação diferente. Meus pensamentos saíam da realidade nua e crua e flutuavam por situações que eu nunca comprovaria, mas que alimentavam esse meu lado criativo e sedento por histórias. Quem morava ali? Quantas crianças aquele quintal já viu crescer? Quantas vezes aquele balanço já se arrebentou? Passo ali e imagino o cheiro de bolo e biscoitos que devem sair por aquelas janelas, enquanto as mães gritavam por seus filhos que se sujavam na terra para que entrassem e fossem lanchar. Imagino lareiras, chás quentinhos, um sofá confortável e uma boa leitura. Fico pensando se, durante a guerra, esposas se despediram dos maridos fardados saindo por aquela porta, atravessando o quintal e sumindo no horizonte. Não sei se essa casinha já existia quando aconteceu a Segunda Guerra Mundial, mas minha imaginação não quis nem saber e já criou um cenário naquela época. Imagino também uma linda manhã de inverno e esse jardim todo branquinho de neve. Imagino uma noite de Natal fria sendo aquecida pelas lâmpadas da árvore, pelo forno que assa o pernil e pelos abraços daqueles que chegam com presentes entrando por aquela portinha. E assim minha imaginação vai, sem enxergar rostos, mas visualizando momentos, histórias e os dias que podem já ter acontecido naquela casinha daquela rua. Ou não. Quem sabe?
   Ahhh, essa rua e essa casinha. Elas que tanto já me fizeram andar a pé, que tanto me serviram de inspiração, que tanto deram asas à minha imaginação. Nunca vou saber quem mora ou já morou ali, talvez não saiba nunca sequer se ela tem dois andares ou uma lareira. Mas o que eu sei é que ela fica em uma rua onde era bom de andar, onde minha imaginação sabia flutuar.

CONVERSATION

3 comentários:

  1. Que delícia de leitura! Lendo o texto, fiquei imaginando as cenas descritas. Leitura leve, gostosa. Daisy

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  2. Realmente dá para imaginar quantas coisas aconteceram e quantas pessoas passaram por esta casa centenária. Quase dá para ver crianças brincando debaixo das árvores do jardim. Ótimo texto que inspira a imaginação das pessoas...

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  3. Great description Roberta ... let your imagination continue floating

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