Ainda me lembro do dia em que cheguei. Cheguei com o meu coração e a minha mente brigando. O coração não queria ficar, a mente teimava em dizer que era preciso. E foi nessa guerra emocional que me vi abrindo a porta de um apartamento que não imaginaria nunca que me abrigaria algum dia. Mas lá estava ele, um ambiente que eu tinha que transformar em um lar. Parecia impossível, já que nele não estariam as pessoas que mais amava no mundo. Somente eu. E esse vazio, do apartamento e do meu coração contrariado, fizeram muitas lágrimas serem derramadas no chão desse apartamento que me acompanharia por um bom tempo. E para aumentar a minha aflição, nem sabia ao certo quanto tempo seria.
Com o passar dos dias fui aprendendo a conhecer o apartamento. Pequeno para minhas emoções, grande demais para caber somente a mim mesma. Tinha um chão que empoeirava facilmente, mas tinha uma varanda que dava para a praça principal da cidade. Proporcionou-me também uma vista diária linda da igreja matriz. Dali acompanhei chuvas, tempos secos, dias ensolarados, domingos vazios e intermináveis, noites quentes, festinhas na pracinha. Nos dias em que o trabalho era mais intenso, ia nele somente para dormir. Nesse apartamento recebi as visitas que eu esperava ansiosamente por longos períodos, e era lá também que eu me despedia delas depois de parecer ter passado somente 5 minutos de suas chegadas. Quantas vezes, no seu chão, catei os pedaços do meu coração que vivia sendo judiado pela saudade. Muitas vezes a porta desse apartamento parecia uma prisão que me mantinha longe da minha cidade natal, dos meus amigos, da minha família. Mas, na maioria das vezes, eu olhava para essa mesma porta e enxergava um casulo, um lugar que faria de mim uma pessoa melhor, que me faria amadurecer e bater as asas para o mundo. E assim, com o passar do tempo, foi essa a visão que preferi ter dele: um casulo. Em alguns dias ele parecia muito apertado quando minhas vontades, desejos e saudades não cabiam lá, mas, nos dias em que eu parava para ouvir Deus e Seus planos, o apartamento era o lugar que me abrigaria na fase da minha vida em que a palavra da vez era amadurecimento. A fase em que eu aprenderia muita coisa, principalmente a ser a minha própria melhor companhia.
E assim o tempo foi passando e eu já nem parava para pensar muito. Saía para trabalhar e voltava, saía empurrando malas para visitar minha família, voltava com essas mesmas malas e o coração sempre apertadinho. Acabou que, sem notar, aquele apartamento conseguiu virar um lar para mim. Ou então, melhor dizendo, eu passei a olhá-lo como um lar. Não o que eu planejei, mas o que a vida colocou no meu caminho, mesmo que temporariamente. E eis que eu já havia aceitado isso em alguma curva dessa estrada que eu estava seguindo, e mal havia me dado conta de quando isso acontecera. Comecei a seguir essa parte do caminho da vida com lágrimas nos olhos, mas elas secaram e, quando dei por mim, já estava apreciando a vista. O tempo tem mesmo dessas coisas, faz a gente aceitar novas condições, novas cidades, novos apartamentos, novas versões de nós mesmos.
Até que um dia eu avistei a chegada dessa estrada, desse caminho temporário que eu estava vivendo. O tempo indeterminado ganhou um fim, as reticências iniciais que tantas lágrimas me arrancaram ganhou um ponto final. Eu estava indo de volta pra casa. Nem acreditei quando soube. Vendo ali, logo ali mesmo a linha de chegada, olhei para trás e mal pude ver a linha de partida. O caminho que me transformou em uma melhor versão de mim mesma fez embaçar as partes tristes e ficaram só os momentos que permitiram que o casulo se abrisse para eu sair. E assim, claro como a água, vi que valeu a pena. Olhei para o apartamento que me abrigou nesses anos e agradeci. Agradeci pelos bons e maus momentos e me dei conta de que, em todos eles, eu estava ali dentro, naquelas paredes que conheceram os perrengues, as conquistas e todo o percurso feito até ali. Ao bater a porta dele pela última vez, terei deixado ali dentro, certamente, uma parte do meu coração que tanto cansou de se despedaçar em seu chão. Uma lembrança que deixo, uma memória que trarei sempre comigo.
Como moral da história eu aprendi que as mesmas portas que podem parecer calabouços podem ser o portal para algo muito maior. A diferença está nos olhos de quem vê, mas principalmente no coração de quem acredita que tudo nessa vida vem pra somar e para engrandecer. O importante também é saber que a paciência e a fé são as sombras do caminho, onde tomamos fôlego para continuarmos firmes em frente.
A estrada não vai acabar. Após a linha de chegada virá uma linha de partida para um outro trecho da estrada. Se virão obstáculos e pedras ainda mais difíceis eu não sei, só sei que uma nova versão de mim mesma vai aprender a apreciar a vista, pois essa sempre tem algo novo e bonito para mostrar. Essa é a vida, esses são os caminhos e os aprendizados.
(Texto inspirado na experiência de vida da minha querida amiga Lívia! 💝)
O texto abordou sentimentos vividos por muitas pessoas.Muito gostosa a leitura.
ResponderExcluirMinha amiga linda, ao ler o seu texto, revivi, em meio a muitas lágrimas, tudo o que passei durante toda essa caminhada até chegar ao final da estrada, e finalizar esse capítulo da minha vida com esse texto seu é muito, mas muito especial.Toda essa trajetória ficará marcada pra sempre em meu coração, assim como o seu carinho, sensibilidade e cuidado em retratá-la, de um jeito que só você consegue fazer, por meio do seu olhar. Agora me despeço do meu apartamento, e esse casulo liberta uma Lívia completamente diferente da que chegou , há dois anos atrás... outra estradas virão, assim como outros novos desafios, mas Deus sempre tem o cuidado de plantar flores ao nosso redor, que traz beleza e cor a nossa vida, principalmente nos momentos mais difíceis, e sem sombra de dúvidas você é uma das flores mais especiais que foi plantada, que traz cor, sensibilidade e muito mais beleza à minha vida. Amo você pra sempre!
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