Somente agradecer



  Após alguns minutos andando, ela chegou em frente à Igreja. Sim, aquela mesma onde estivera há uns meses para pedir. E pediu de tudo. Pediu que a viagem de três meses desse certo, que hora nenhuma ficasse doente, que não houvesse nenhum contratempo, que nada saísse dos planos meticulosamente calculados por ela. Pediu a Deus, pediu à Santa Rita de Cássia de quem tanto é devota, pediu aos anjos e até às estrelas. Por mais que fosse uma viagem tão esperada, o frio na barriga começava a tomar conta com sua proximidade, e até isso ela pediu que fosse tirado dela. 
   A viagem veio, os três meses se passaram e lá estava ela na mesma Igreja, no mesmo banco, mas com outros pensamentos. Dessa vez ela veio agradecer. Somente isso. Depois de três meses que nunca mais sairiam de suas lembranças, ela não ousou pedir mais nada, e seu semblante de gratidão demonstrava exatamente seu propósito naquele dia. 
  Quem a havia visto três meses antes imaginaria, ao vê-la agora, que seus pedidos para a viagem foram totalmente atendidos. Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário do que ela havia mentalizado anteriormente, ela precisou ser medicada, houve contratempos com a bagagem, ela se perdeu em uma cidade com um idioma estranho e muitas coisas não foram nada do que ela havia planejado. Mas uma coisa saiu como ela havia pedido a Deus, à Santa Rita de Cássia, aos anjos e às estrelas: sua viagem de três meses havia dado certo. Do seu jeito, mas deu.
  Muita coisa não havia saído como ela imaginara. Houve problemas, teve muita saudade que a acompanhou durante todos os dias, e que vez por outra a sufocou em alguns momentos, teve a dificuldade do idioma, teve malas sumidas, teve aflição de se perder em ruas nunca antes visitadas, teve lágrimas. Mas teve também muitos sorrisos repentinos e diários, sonhos realizados, esquinas charmosas que não estavam no roteiro, amizades inesperadas, apartamentos que ficaram para a história, vistas e paisagens que ganharam seu lugar no coração e a felicidade da evolução, de sentir que tudo aquilo a enriquecera, de que voltaria de viagem uma outra pessoa.
  Foi então que, enquanto retornava e também ao caminhar para a Igreja, percebeu como que muitos caminhos que a princípio parecem errados te levam a lugares e momentos incríveis, que um roteiro certinho jamais levaria. Ficou nítido como que as coisas planejadas, juntamente com as que deram errado, formaram experiências que fizeram de sua viagem ainda melhor do que ela havia planejado. Por fim, ela se deu conta de que a vida rasga na sua frente seu roteiro perfeito para uma viagem e também para os passos ao longo de toda uma vida. Há que se ter planejamento, mas há também que se estar sempre aberto para as novidades que resolverem rabiscar e alterar um pouco seus planos iniciais. E ,assim, disso somos feitos: de planos que dão certo e também daqueles que nem imaginávamos mas que simplesmente acontecem.
  Ela terminou de agradecer, levantou-se e seguiu seu caminho. O que haveria na próxima esquina ela ainda não sabia, mas, também, ninguém nunca saberia ao certo. Eis o charme das surpresas da vida.
  

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