Detalhes em Palavras

    Olá, muito prazer. Permita-me que me apresente, se é que alguém, algum dia, vai me conhecer por completo, vai me entender, vai se acostumar comigo.

    Sou aquele que sempre provocou a curiosidade humana, pois, assim como o  universo, possuo meus mistérios, minha parte que é desconhecida, intocável, selvagem. Eu também costumo hipnotizar as pessoas com minha beleza, com minha mágica de levar e trazer ondas, seres, conchinhas coloridas, sentimentos, pensamentos. 

   Possuo vários tons de azul, mas isso depende de onde estou. Posso ser muito calmo, mas também posso ser bravo e revolto. E não se atrevam a mexer comigo quando estou de ressaca. Mas também, quem fica bonzinho quando está de ressaca, né? Posso ser transparente e mostrar uma parte do que tenho, mas ainda assim posso te enganar e ir te arrastando para longe. É só um dos meus truques para quem ouse me desafiar.

   Há séculos sou conhecido como aquele que leva garrafas com mensagens dentro, barcos e navios rumo ao desconhecido. De vez em quando engulo um navio ou outro, mas não me levem a mal, faz parte da minha natureza colecionar histórias de alguns daqueles que resolveram me enfrentar.

   Falando em colecionar, coleciono elogios, poesias, músicas e homenagens que fazem para mim. Sou muito fotografado, desenhado, apreciado.  Nas viradas de ano, ajudo as pessoas a fazerem pedidos oferecendo minhas ondas para serem puladas sete vezes. Coleciono pedidos, sonhos e muita fé que mentalizam à minha beirada, em silêncio, em voz alta, seja como for. Só não coleciono seu lixo, tá? E se insistir em jogá-lo em mim, te faço nadar nele algum dia, em algum lugar. O que tenho de mistérios não inclui o que vocês humanos produzem aí fora. Me respeitem!

   Já fui testemunha de luaus, casamentos, jogos, reuniões de famílias e amigos e muitas outras coisas que fazem perto de mim. Adoro apagar os castelinhos que as crianças fazem na areia, e adoro também dar caldo nos outros. Me divirto com as pessoas rolando até a areia depois de acharem que podem vencer minhas ondas. Alguns surfistas acham que me vencem, mas também levam seus caldinhos. O fato é que gosto muito de participar do que fazem perto e dentro de mim.

   Sou salgado, sou curandeiro, levo energias ruins para longe e dou a sensação de liberdade. Mas é porque sou livre, não sou de ninguém e ninguém me conhece verdadeiramente como sou. Tenho muitas coisas e seres que ninguém sabe, tenho profundidades que ninguém conhece e levo coisas que nunca mais serão vistas. Está vendo um navio ou avião enormes? Posso engoli-los. Está vendo a linha do horizonte? Ela é inalcançável. Mas prometo que te darei uma brisa que te fará sentir um pouco da minha liberdade e te dará todas as forças para recomeçar, seja lá o que for. Afinal, também sou expert nessa coisa de recomeçar: recuo para voltar com toda a força.

   Como dá para ver, tenho muito o que ensinar, mas vou continuar a preservar quem eu sou.

   Vamos fazer o seguinte? Por que não se senta na areia ou naquela pedra e fica bem perto de mim? Te prometo uma bela sinfonia de ondas quebrando na areia, uma sensação inigualável de paz, uma brisa fresca para te relaxar e um visual que jamais te farão esquecer deste momento. E essa é só mais uma das minhas especialidades: eternizar momentos.

   Muito prazer, eu sou o mar!

 Obs.: Foto tirada por mim na belíssima e inesquecível João Pessoa, na Paraíba! 

  Quarta-feira de cinzas, dia 1º de Março de 2017. Agora sim ela vai iniciar seu novo ano. Vai guardar  no armário as fantasias que usou em todos os dias de carnaval, e vai tirar aquela lista de promessas que escreveu no dia 31 de dezembro. Mas, antes, vai só tomar aquele suco detox que promete aliviar os exageros do Carnaval e vai tentar, mais uma vez, remover dos olhos aquele delineador à prova d´água que insiste em não sair nunca. 

  Se bem que dá dó de terminar de tirar o delineador. Ele, que foi passado com tanto cuidado e que deu aquele acabamento perfeito à maquiagem de coelhinha que usou nos bloquinhos de terça-feira de Carnaval. Parada em frente ao espelho, ela se recorda de como sua fantasia fez sucesso, de como dançou, pulou, cantou, bebeu e quase beijou um turista que tanto a encarava mas que depois sumiu na multidão. Uma pena. Os outros dias todos também foram sensacionais. Era difícil escolher qual bloquinho seguir e mais difícil ainda era largar os amigos e voltar pra casa, mesmo com chuva, mesmo com as pernas doendo. Mas difícil mesmo será retornar à rotina, voltar às aulas da faculdade, e voltar a caber dentro de rótulos impostos pela sociedade.

  Como diz uma certa música, ela queria mesmo que essa fantasia do carnaval fosse eterna, quando homem se veste de mulher, mulher se veste de homem, crianças se vestem de seus super-heróis favoritos, e aquela roupa brega que vive escondida no fundo da gaveta se torna perfeita para ganhar as ruas. É quando todos podem ser o que quiserem. São dias em que cantar errado é permitido, jogar serpentinas e confetes em desconhecidos é engraçado, e colar adesivos no rosto fica charmoso.  Mas foi bom enquanto durou, valeu o extravaso, valeu sair de casa sem ter hora para voltar, valeu tomar Catuaba e ter aquele porre que se cura ao som do próximo bloquinho de rua. Valeu ficar longe das salas de aula, nem que seja por poucos dias, e valeu mais ainda ser livre. E o melhor: ano que vem tem mais, que sorte!

  Percebendo que as lembranças do carnaval não estavam no delineador borrado nos olhos, mas sim no seu coração, terminou de passar o demaquilante, pegou a lista de promessas do Réveillon e tratou de ver por onde iria começar a colocá-la em prática. Afinal, brasileiro que é brasileiro começa a realidade nua e crua após retirar as fantasias de um doce carnaval.