Boa noite
Recebi um boa noite diferente hoje. Um boa noite que me fez, ao fechar os olhos no quarto escuro, abrir as cortinas das minhas lembranças. Mas não foi de qualquer lembrança, de qualquer época. Foi bem específico, teve cheiro, teve cores, sons, músicas e um jeitinho de interior.
A época foi na adolescência, entre meus 16 e 21 anos. A cidade foi Diamantina, e o contexto... esse foi dos mais doces possíveis. Nesse intervalo de tempo descrito, Diamantina foi o cenário perfeito, o destino idealizado, onde era uma delícia de chegar e de onde era doloroso partir. E foi assim, desde que deixamos o até então futuro dentista da família, em 2002, e de onde o retiramos formado, em 2007. E foi nesse meio tempo que tiveram tantas coisas que hoje apareceram nessas cortinas abertas do meu pensamento. No palco das minhas lembranças, vieram as viagens de carro em família com lanchinhos e músicas, vieram as sensações de chegar na cidade onde meu irmão mais velho foi morar e estudar. Sabíamos que havíamos chegado quando o asfalto acabava e o carro começava a trepidar nas ruas de pedra. Vieram as lembranças das várias casas onde ele morou, dos sons das ruas de pedras que ecoavam os passos, principalmente à noite, das casas coloridas e simétricas e do caminho dos escravos lá no horizonte iluminado pela luz dourada do pôr-do-sol.
Os finais de semana por lá eram muito bons, e eu consigo ainda sentir a sensação de chegar no Mercado Velho aos sábados de manhã, com aquelas pessoas todas comendo, bebendo logo cedo e cumprimentando umas às ouras. Era interior, eram os moradores que se topavam em cada esquina, em cada Point, o que não fazia com que deixassem de se cumprimentar e de conversarem mais uma vez. Ainda lembro com clareza do meu irmão mexendo com seus colegas e apresentando a eles, orgulhoso, sua família que estava ali para visitá-lo. Lembro de ele me mostrando os calouros e seus olhares ainda amedrontados e tímidos, fazendo de tudo para se sentirem pelo menos um pouco enturmados no meio de tanta gente e de tanta novidade. Lembro quando foi meu irmão que era o novato, mas para ele isso nunca foi uma dificuldade. Sempre pareceu estar em casa, porque, na verdade, ele sabia que seria exatamente ali mesmo, naquelas ladeiras, que ele passaria aqueles anos que dizem que são os que mais sentimos falta ao longo da vida. E ele passou. E o tempo passou.
Hoje, ao receber o boa noite diferente, o boa noite musical que soube tocar diariamente na cidade, abriu-se, no palco das minhas lembranças, a peça Diamantina. A peça que não foi de humor, nem de terror, nem de drama. A peça cujo gênero foi de vida real pura e simples, e só. Foi de vida bem vivida com gostinho de quero mais. Foi de 5 anos que me trouxeram muitas coisas, entre elas meu irmão formado de volta. Isso sem contar nas lembranças de festival de inverno, de noites da Baiúca, de andanças pelos morros da cidade, de uma formatura que me deixou ver o último nascer do sol com vista para todo aquele cenário dos últimos 5 anos. A minha última vez em Diamantina, a noite que virou dia e eu nem me dei conta. Era o fim da noite, era o fim dessa fase.
Hora de dormir. Vou fechar as cortinas da lembrança Diamantina. Mas pela fresta da minha cortina do quarto vejo a lua semi-cheia. Será que ela está à vista em Diamantina? Espero que esteja, assim como já foi vista tantas vezes em noites de Vesperata na cidade, em frente à Baiúca, quando, reunidos, admirávamos aquele cenário até a noite acabar. Uma noite que parecia ter saído de um faz-de-contas que dura até hoje em nossos corações.
E assim me despeço, tendo como companhia a música de boa noite e um eco longíquo de passos em uma cidade de chão de pedra que ficou com um pedacinho dos corações de todos nós.
Boa noite.
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